segunda-feira, 7 de novembro de 2016

DISTRAÇÃO: UM JARDIM DE POSSIBILIDADES

"20. Sou muito esquecida e distraída. Já esqueci malas indo pro aeroporto, cinema com amigos, saí de casa sem perceber que estava de chinelo... a lista de trapalhadas é imensa." Do post 25 coisas sobre Alice.


Resultado de imagem para alice no pais das maravilhasAlice passeia no jardim explorando as diversas possibilidades que lhe aguarda. Enquanto reflete sobre várias coisas desordenadamente , seus pensamentos são interrompidos por uma inesperada criatura: Um coelho de casaca que segura um relógio de bolso. Ele olha para ela , diz que está atrasado e corre. Alice, sempre curiosa, persegue a peculiar criatura deixando para trás seja lá o que estava planejando. O coelho entra numa toca e ela , sem hesitar, o segue e cai num túnel que parece não ter mais fim, até que finamente encontra o seu destino, o País das Maravilhas. 
Mais ou menos assim funciona a cabeça de quem tem TDAH. Nossos pensamentos são voláteis, impulsivos, escorregadios , o que nos faz frequentemente a abandonar uma sequência de ações e deixar tarefas sem concluir. Estamos sempre atrás de uma coelho que corre contra o tempo. Uma vez, viajei para uma cidade no interior do Rio Grande do Sul para visitar uma amiga. Na volta, tive que pegar um ônibus intermunicipal com destino à Porto Alegre, para depois pegar um avião de volta para casa. Estava cheia de bagagens e estava tão preocupada em esquecer a bagagem de mão que acabei esquecendo o principal, a mala. Quando estava no táxi, quase chegando ao aeroporto, senti que faltava algo. Foi quando fiz a associação VIAGEM-MALA-AEROPORTO!!! "Ops, esqueci de pegar a mala no bagageiro do ônibus.", falei ao taxista que me olhou perplexo. Tenho uma infinita lista de episódios dessa natureza, mas lembro particularmente desta porque depois de recuperar a bagagem, fiquei remoendo o episódio durante horas. Senti que havia algo estranho comigo, tive vontade de me teletransportar para o meu quarto, mais precisamente pra debaixo da minha cama. Quem nunca esqueceu uma coisa óbvia na vida? o problema é quando você vai para a cozinha beber água e volta pro quarto com sede porque esqueceu de pegar o copo d'água porque se distraiu no caminho e quando isso acontece com bastante frequência. 
Muitas pessoas que se identificarem com essa história, poderão questionar se essa característica a faz ter TDAH. O que posso dizer é que ter muitas coisas na cabeça, se distrair facilmente, balançar as pernas, sentir-se inquieto, pode ser indicar uma possibilidade mas não é suficiente para definir o Transtorno, como define essa última que irei repetir: Transtorno. Esquecer das coisas é normal, a vida moderna nos forçou a viver em eterna pressão, nos envolvemos em diversas atividades e obrigações. O estresse é a praga da sociedade contemporânea. Ainda sim, repito, Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade é um assunto muito banalizado, tanto com o excesso de diagnósticos como a supressão dele, pode gerar muito sofrimento. O que caracteriza o TDAH é uma série de sintomas que acompanham a pessoa desde a infância em todos os ambientes de convivência, ou seja, em casa, na escola, no trabalho, na vida social como um todo . Por isso , é preciso ter cautela quando se tem um diagnóstico. Vida de Alice pode ser fascinante nos livros, nos filmes , em analogias narrativas, mas na vida rela, lutar diariamente contra os Jaguadartes é exaustivo e ainda não vi nenhuma vantagem que me tornasse um ser especial . A dura realidade é que temos nos adaptar com nossa condição, assim como todo mundo tem que se adaptar com as constantes mudanças da vida. Temos que matar um Jaguadarte por dia, é verdade, mas isso não impede que de vez em quando, olharmos um jardim cheio de possibilidades. 

quarta-feira, 4 de maio de 2016

SÓ POR HOJE EU QUERIA SER "NORMAL"

Oi. Eu sou Alice. Tenho um Transtorno chamado TDAH - Transtorno de déficit de Atenção e Hiperatividade. Descobri quando fazia uma tratamento para depressão. Não gosto de falar ou justificar para as pessoas sobre o Transtorno porque não gosto que sintam pena de mim, Muitas vezes , quando confesso , algumas dizem que não aparento ser hiperativa. Eu sei que a imagem que as pessoas têm de hiperativo como aquela pessoa inquieta que não pára num lugar e que balança as pernas. Eu não balanço as pernas , em vez disso eu procrastino, me saboto, choro escondida na cama que é lugar quente e nesse exato momento deveria ler um livro que foi indicado pelo meu professor a semana passada e que apenas li algumas páginas, e que será debatido amanhã. Hoje faltei aula de outro professor porque estava esgotada, simplesmente porque também fiz a leitura ontem e o trabalho hoje de manhã , antes de trabalhar e deixar minha mãe na rodoviária. Batalhei muito na seleção de mestrado e hoje estou paralisada com a que estar por vir ...peraí , vc falou mestrado? sim . Falei. Eu faço parte de uma minoria de pessoas que têm TDAH e conseguiram se graduar. Sempre fui aquela estudante fora dos padrões , que deixa as matérias para última hora. A minha vida escolar foi conturbada e cheia de dramas e improviso. Sempre consegui passar por uma suposta inteligência que só é acionada em momentos de urgência. Levei a graduação tocando flauta e fazendo juramentos que nunca cumpri. Hoje , trabalho na Universidade Federal da Paraíba , onde tive que deixar minha cidade natal , Recife, para morar em João Pessoa. Morava com minha mãe e meus irmãos , agora moro sozinha numa cidade agradável . Pelos incentivos de qualificação para aumentar o meu salário , que quase não me sustenta , decidi fazer mestrado mas não foi só isso. Tinha vontade de seguir a carreira acadêmica e me identifiquei com a Ciência da Informação. Também confesso que não tenho saco para estudar para concurso e como meu cargo é de nível fundamental , fazer um mestrado acadêmico pode me dar a possibilidade de ser professora da Universidade em que trabalho. Até chegar lá , para as pessoas "normais" têm muito sangue , suor e lágrimas . O que esperar de alguém que tem TDAH ? É o que vou descobrir. Não faz nem um mês que as aulas começaram e eu estou aqui, assustada, perdida, frustada com minhas reações de sempre e muito ansiosa. Esse monstrinho da ansiedade me corrói por dentro, como se existisse um dragão morando dentro de mim. As pessoas dizem que eu deveria estar feliz e eu sei que deveria mesmo, mas estou com muito medo de tudo. Será que é sempre isso : querer o que não tem e sofrer quando se consegue, por ter a sensação de que aquilo escorre entre os dedos ? Preciso de ajuda , estou cansada e amargurada, mas não vou colocar culpa no transtorno embora só por hoje gostaria de me sentir como uma pessoa "normal".